Empréstimo consignado e exoneração por acúmulo de cargo público

Por Morghanna Carvalho e Thiago Henrique, OAB/MA 10.012

A Constituição Federal veda a acumulação remunerada de cargos e empregos públicos, observadas as exceções e requisitos para tanto. Diante da competência do Tribunal de Contas do Maranhão de promover o controle externo da administração pública, foi editada em julho de 2018 a Instrução Normativa do TCE/MA nº 55 com a finalidade de estabelecer diretrizes e métodos para apreciar a legalidade dos atos de admissão e manutenção de pessoal, a qualquer título, na administração direta e indireta, incluídas as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público Estadual. As portarias TCE/MA nº 360/2019 e nº 1045/2019, trouxeram os meios, prazos e consectários, de forma a regulamentar a aplicação da instrução normativa.

Em atenção à norma constitucional e aos atos normativos supramencionados, muitos servidores foram notificados a optar por um dos cargos com a consequente exoneração do outro, evitando sofrer maiores sanções. De acordo com a OAB/MA, cerca de 37 mil servidores públicos foram identificados em acúmulo de cargos. Por este motivo, tivemos exonerações em massa até o início de 2020, quando do término do prazo para apresentação das justificativas.

Acontece que os ocupantes de cargos públicos que possuem empréstimo consignado se veem, na maioria dos casos, impossibilitados de adimplir com a obrigação aderida antes da notificação sobre o acúmulo de cargos. Vale ressaltar que à época da contratação do empréstimo os servidores possuíam maior poder aquisitivo, em virtude da dupla remuneração. Entretanto, pela necessidade de correção do acúmulo ilícito de cargos, de forma imprevisível, têm sua renda bastante reduzida.

Como proceder diante da situação narrada?

O Código Civil, por adotar a teoria da imprevisão, assegura ao contratante que teve alteradas, de forma significativa e inesperada, as condições do momento da realização do contrato, solicitar a revisão das prestações que se tornaram excessivamente onerosas. Ou seja, o servidor que teve sua situação financeira alterada pela exoneração de cargo, pode e deve requerer a revisão contratual a fim de adequar as parcelas à sua nova realidade. Nesse sentido segue recente julgado do TJ-SP em que se verifica a aplicação da teoria da imprevisão:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO REVISIONAL –Admissibilidade da medida no caso em questão – Documentos nos autos que comprovam a queda abrupta de receitas auferidas pela parte autora, assim como a deterioração de suas finanças a partir de fevereiro de 2020 – Fato extraordinário e imprevisível que permite a intervenção na relação jurídica firmada entre as partes – Cláusula rebus sic stantibus – Arts. 497 do CPC/15 e art. 84, pa-rágrafo 4° do Código de Defesa do Consumidor – Descumprimento acarretará grave dano à parte autora – Decisão mantida – Recurso Improvido. (TJ-SP AI:2186620-91.2020.8.26.000, Relator: J. B. Franco de Godoi, Data de julgamento: 26/02/2021, 23° Câ-mara de Direito Privado, Data da Publicação: 26/02/2021)

Ademais, de acordo com entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça) aplic-se o Código de Defesa do Consumidor às instituições financeiras. Tal norma elenca como direito básico do consumidor, in verbis, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.

Por consequência da aplicação do CDC, a instituição financeira tem o dever de prestar informações de maneira adequada e permanente sobre o serviço ofertado, assim como conceder o instrumento contratual, de forma que assegure ao consumidor escolhas conscientes que lhe permitirão atingir as expectativas criadas quando da celebração do negócio jurídico.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECLAMAÇÃO CONSUMERISTA. DECISÃO QUE INVERTE O ÔNUS PROBATÓRIO A FAVOR DO CONSUMIDOR. DEVER DE JUNTADA DE CONTRATO – É o caso, ainda, da incidência do IRDR de Tema 05 do TJ/MA: 1ª TESE: “Independentemente da inversão do ônus da prova – que deve ser decretada apenas nas hipóteses autoriza-das pelo art. 6º VIII do CDC, segundo avaliação do magistrado no caso concreto -, cabe à instituição financeira/ré, enquanto fato impeditivo e modificativo do direito do consu-midor/autor (CPC, art. 373, II), o ônus de provar que houve a contratação do empréstimo consignado, mediante a juntada do contrato ou de outro documento capaz de revelar a manifestação de vontade do consumidor no sentido de firmar o negócio jurídico, perma-necendo com o consumidor/autor, quando alegar que não recebeu o valor do emprésti-mo, o dever de colaborar com a Justiça (CPC, art. 6º). (TJ-MA AI: 0802174-61.2021.8.10.0000, Relator: Kleber Costa Carvalho, Data de julgamento: 07/05/2021, Pri-meira câmara cível, Data da publicação: 11/05/2021)

Destarte, a judicialização da demanda é medida que se faz necessária para o amparo do consumidor que se vê nas condições supramencionadas. Exonerado e impossibilitado de dispor da sua renda sem comprometer o sustento familiar para o adimplemento do empréstimo, o julgador irá realizar a revisão das cláusulas contratuais, trazendo equilibrada e justa execução ao contrato, de forma a adequar as prestações às possibilidades do contratante.

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